quinta-feira, 4 de março de 2010

ALFABETIZAÇÃO HOJE

Professora Cleunice Orlandi de Lima
O presente artigo, publicado pela professora Cleunice em junho de 1991, mostra o quanto ainda é atual. Olhando friamente os resultados de uma pedagogia de alfabetização inadequada praticada ao longo desses anos (vide redações de alunos dos ENEMs e outras estatísticas em todo o território nacional) constatamos inequivocamente o quanto a professora tinha e continua tendo razão.

O Brasil importou as teorias de alfabetização de Emília Ferrero e deseja, a qualquer custo, implantá-las aqui. Eu particularmente, não aceito tais teorias e eis os motivos:

Emília Ferrero nasceu na Argentina, estudou na Suíça e mora no México.

Não sabe falar nossa língua, desconhece nossa cultura, ignora nossa realidade e, acima de tudo, nunca alfabetizou! Ela está sendo badalada porque, na Suíça, foi discípula de Piaget. Só por isso. Se tivesse sido aluna de um Zé da Silva qualquer, lá no Pantanal, suas idéias nem seriam ouvidas, mesmo que fossem excelentes. E o que é a Suíça — país onde ela aprendeu a “alfabetizar”?

A Suíça é menor que o Rio de Janeiro, não tem inflação e tem o sistema monetário mais estável do mundo (os nossos marajás escondem seu dinheiro nos bancos da Suíça).

As maiores cidades de lá não têm mais que 600 mil habitantes. O analfabetismo foi erradicado antes de Emília nascer. Lá não há pobres nem fracos, pois o próprio clima se encarrega de acabar com eles (num frio de mais de 30 graus negativos, não há pobre que agüente). A Constituição de 1874 ainda está em vigor. As escolas são verdadeiros cartões postais: prédios sólidos, enormes, cercados por alamedas ajardinadas imensas.

Número de alunos por classe é reduzido (aliás, lá eles nem têm crianças e vem comprar bebês brasileiros). Os professores são bem pagos. A tecnologia é uma das mais precisas do mundo. O povo é tão desprovido de problema, que a Suíça tem o maior índice de suicídios do mundo. Suicídios, por falta de problemas!!!

Compare isso ao Brasil:
Até 50 alunos numa classe alfabetização, em prédios caindo, sem água potável, ladrões roubando até merenda e cadernos. Professores mal pagos abandonando a profissão para os mal formados, leigos, semi-alfabetizados. Salários com até 5 meses de atraso, greves anuais, cavalos pisoteando quem reclama. Sem material didático e quando nos chega algum, não pode usar, senão acaba.

Sem bibliotecas, sem giz, sem carteiras. Alunos cheios de amarelão, sarna, piolho, fome, frio, verminose, tosse de cachorro. Superpopulação (só na cidade de São Paulo, nascem mais de 400 mil crianças por ano!). Um clima tão bom, que poucos morrem de frio ou calor; pobres e doentes vivem muito, pondo mais filhos no mundo, que vão à escola mais para comer, do que para aprender a ler. E autoridades, que só sabem mandar papéis — papéis para a escola inteira; papéis aos montes, que devem ser lidos às pressas, preenchidos e devolvidos antes da chegada de novos papéis. Papéis, para mascarar a incompetência em administração.

É nesse ambiente, que nossas mui sábias autoridades exigem que se aplique o modelo educacional da Suíça!! Mas quem terá sido Piaget, que mesmo morto, se faz presente através de Emília Ferrero?

Piaget era francês e desenvolveu suas idéias na Suíça. Tudo do que escreveu, foi tendo em vista aquelas crianças bem tratadas, bem amadas, saudáveis, protegidas por sistema político e social perfeito. Piaget nunca se importou com o Brasil, nunca estudou nosso povo, para desenvolver uma prática aplicável aqui. E, prova disso, está na viagem que fez ao Rio de Janeiro, em 49, para uma conferência e se recusou a visitar São Paulo, COM MEDO DE SER PICADO POR COBRA! Cobras, nas ruas de São Paulo! Nota-se, pois, sua total ignorância, indiferença e até desprezo pelo Brasil. Para Piaget, não passávamos de selvagens e ele não abrangia selvagens nos seus estudos. Este era o homem, cujas idéias estão sendo impostas às nossas escolas.

Emília afirma que os alunos devem construir seu próprio conhecimento como se conhecimento pudesse ser construído assim, de qualquer maneira, ao sabor de cada pessoa, como se o conhecimento não estivesse já, todo com suas estruturas cimentadas, só à espera que nos apossemos dele e não que o construamos.

Se assim não fosse, não precisaríamos de escolas, cada qual criaria seu próprio sistema de escrita e numeração, mesmo que fossem diferentes dos sistemas de escrita e numeração construídos pelas demais pessoas da mesma casa. Cada qual constrói o seu, como quiser. Seria o caos!

E mais: Se a construção de conhecimento for válida para a alfabetização, ela deve ser válida para as demais atividades. Neste caso, deve-se entregar as chaves do carro à menina de 7 anos, para que ela construa seu próprio conhecimento sobre dirigir! E pode-se entregar ao menino de 6 anos, uma arma carregada, para que ele construa seu próprio conhecimento sobre o manejo de armas. E deve-se empurrar a criança que ainda não sabe nadar, de cima do trampolim da piscina, para que ela tenha oportunidade de construir seu conhecimento sobre natação. Se o construtivismo estiver certo, então poderá ser aplicado em todas as atividades, ué!

Emília condena a prática de se corrigir a criança, quando esta faz algo de maneira incorreta. Segundo ela, depois de errado, aprende-se o certo. E eu retruco: É falso! Depois de errado, nunca mais se aprende o certo. Quem aprendeu a datilografar com apenas dois dedos, nunca mais vai aprender a usar os dez dedos, porque o erro se fixou. “A lã, uma vez manchada, jamais readquire a alvura primitiva” (Pestalozzi).

Os apreciadores de Emília são aqueles que, como ela, nunca alfabetizaram. Devido sua incapacidade de lecionar, safaram-se da sala de aula e hoje, dão ordens absurdas sobre alfabetização. Por estes e outros motivos que não declinei, não aceito as teorias de Emília Ferrero. Se suas idéias fossem mesmo tão boas, Emília teria nos legado uma prática de ensino e não apenas teorias.

Mas não sou radical. Assim que ficar provado que as idéias dela são as melhores tanto para o centro de São Paulo, quanto para uma tribo do Amazonas (se a teoria for certa, ela deve funcionar em qualquer parte do mundo), aí sim, darei a mão à palmatória.

Se as primeiras turmas alfabetizadas por teorias ferreiristas enfrentarem os vestibulares com o mesmo brilhantismo nosso, do tempo de “A pata nada”, aí sim, estarei convencida. Mas, até lá, continuarei a achar que Emília Ferrero é um engodo sofisticado e continuarei a fazer-lhe oposições.

(Professora! Você tem o direito de optar entre os métodos de ensino. Ninguém pode obrigá-la a usar Emilia ou qualquer outra metodologia este direito está garantido pelo Estatuto do Magistério, no art. 61).


FONTE: http://www.professoradepapel.com.br/nv/n-08.pnb

0 comentários:

Postar um comentário

  ©Template designer adapted by Ana by anA.

Essa página é hospedada no Blogger. A sua não é?